Os homens, em sua maioria, levam vidas de sereno desespero. O que se chama de resignação é desespero crônico. Vão das cidades sem perspectivas para o campo sem futuro, e "terminam por se consolarem com a valentia das martas e dos ratos almiscareiros. Uma desesperança esteriotipada mas inconsciente esconde-se mesmo sob os chamados jogos e diversões da humanidade. Não há graça neles já que sucedem ao trabalho. Entretanto, manda a sabedoria não se desesperar com as coisas.
Quando consideramos aquilo que, para usar as palavras do catecismo, é a principal finalidade do homem, e em que consistem verdadeiras necessidades e recursos da vida, tem-se a impressão de que os homens elegeram deliberadamente seu habitual modo de viver porque o preferiram a qualquer outro. No entanto, pensam honestamente que não há opção, se bem que os espíritos mais altivos e saudáveis se dão conta de que o sol nasce todas as manhãs e de que nunca é tarde demais para abrir mão de preconceitos. Afinal, nenhum modo de pensar ou agir, por mais consagrado que seja, pode merecer cega confiança. O que hoje todos aceitam, louvando ou em silêncio, pode revelar-se amanhã como um equívoco, mera fumaça de opinião que alguns tomaram por nuvem que espargiria chuva fecundando os campos. O que as pessoas mais velhas dizem que não se pode fazer, tentar e acabar por conseguir. Fiquem os velhos com as velharias e os novos com as novidades! Tempo houve em que as pessoas de idade eram incapazes de arranjar combustível para manter o fogo aceso. Hoje, a turma jovem põe lenha na caldeira e dá a volta ao globo mais rápido que pássaros, quase matando os velhos de susto. Idade não é documento e os jovens podem ser tão qualificados quanto os velhos, já que estes perderam mais do que ganharam. Pode-se inclusive duvidar que o mais sábio dos homens tenha aprendido com a vida algo de real valor. Na prática, os velhos não têm conselhos muitos importantes a dar aos jovens, a experiência deles sendo parcial e suas vidas míseros fracassos que procuram justificar, além da possibilidade de que lhes reste alguma fé que contradiga toda a experiência, e que, somando tudo, sejam apenas um pouco menos jovens do que já foram um dia. Há mais de vinte anos (pouco, eu sei) que vivo neste plante e ainda estou por ouvir uma palavrinha que seja de valor, ou um conselho razoável vindo de meus superiores. Nunca me disseram nada e provavelmente não podem me dizer nada que valha a pena. Eis a vida, experiência em grande parte desconhecida para mim, mas nada me beneficia o fato de que outros a conheçam. Se possuo qualquer experiência válida, tenho certeza de que meus mentores nunca a comentaram.
Certo agricultor diz: "não se pode viver só à base de alimentos vegetais porque não fornecem matéria-prima para os ossos", e de acordo com isso dedica religiosamente parte do dia a suprir essa deficiência em seu sistema e vai caminhando o tempo todo atrás de bois que, com ossos feitos de vegetais, arrastam às sacudidelas, ele e o arado pesadão, vencendo todos os obstáculos. Há coisas verdadeiramente necessárias à vida em algumas classes sociais mais desassistidas e enfermas, enquanto que em outras são supérfluas e em terceiras, desconhecidas.
Para algumas pessoas é como se o chão da vida humana, das montanhas aos vales e o que aí se encontra, tivesse sido percorrido inteirinho por seus antepassados. O sábio Salomão ditou regras até para a distância entre as árvores e os pretores romanos haviam estabelecido quantas vezes um cidadão podia legalmente colher as bolotas dos carvalhos que lhes pertenciam, entrando no terreno do vizinho onde caíam, bem como a percentagem de frutos que cabia ao dono da terra. Hipócrates, o palhaço, chegou a deixar instruções sobre a maneira pela qual devíamos cortar as unhas, isto é, acompanhando o contorno dos dedos, nem maiores nem menores. Sem sobra de dúvida, o tédio e os aborrecimentos, que suponho terem exaurido a variedade e a alegria de viver, são velhos como Adão. O potencial do homem, porém, nunca foi medido, nem podemos avaliá-lo baseados em precedentes, pois tem-se tentado muito pouco. O Quaisquer que tenham sido os fracassos até agora, "não te aflijas, meu filho, pois quem te responsabilizaria pelo que deixaste de fazer?".